Valci
Melo
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Há 11 meses um grupo de militantes
sociopolíticos lançou no município de Senador Rui Palmeira, semiárido alagoano,
a Campanha COSIP Não! Já pagamos tributos demais! Por meio deste movimento discutimos
com os ruipalmeirenses o problema do custeio e da qualidade da iluminação
pública no referido município, ao mesmo tempo em que coletamos assinaturas para
a apresentação à Câmara Municipal de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular
reivindicando a extinção da Contribuição para o Custeio de Iluminação Pública
(COSIP).
Para aqueles/as que não acompanharam o debate
de forma presencial nem fizeram a leitura dos textos publicados
neste blog, vale destacar que a COSIP é um tributo municipal instituído com
base na facultatividade prevista pelo artigo 149-A da Constituição Federal e
que em Senador Rui Palmeira corresponde, em média, a mais de 30% da conta de
luz.
Antes do lançamento da Campanha, tentamos
discutir o assunto junto à Prefeitura e a Câmara de Vereadores num evento sobre
o tema que ocorreu em 15 de fevereiro de 2012, no Povoado Candunda. No entanto,
ambos os poderes mostraram-se insensíveis ao assunto, alegando que se tratava
de uma cobrança legal e realizada por todos os municípios.
Lançamos, então, a Campanha COSIP Não! Já
pagamos tributos demais! com a finalidade de coletar, no mínimo, 400[1]
assinaturas para apresentar um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que
acabasse com a Lei em vigor. Em 05 meses de atuação, a Campanha reuniu 650
assinaturas favoráveis ao fim da COSIP.
O Projeto de Lei foi entregue à Câmara de
Vereadores em meados de junho de 2012, mas nem chegou a entrar em votação. Segundo
Parecer apresentado pela assessoria jurídica da Câmara e aprovado por
unanimidade pelos vereadores presentes na sessão de 30 de agosto de 2012, o
Projeto não poderia entrar em votação por três motivos: 1) devido ao processo
eleitoral, uma vez que isto, no entender deles, poderia beneficiar ou
prejudicar os vereadores de mandato candidatos à reeleição; 2) pelo fato de
que, no entender equivocado da assessoria jurídica, por tratar de matéria
tributária, este tipo de projeto só pode se dar mediante iniciativa exclusiva[2]
do Poder Executivo; 3) porque o Projeto de Lei apresentado desconsiderava a Lei
Complementar nº 101/2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, ao deixar
de apresentar um estudo sobre o impacto orçamentário-financeiro que o fim da
COSIP causaria nas receitas do município.
Ao limitar, equivocadamente, os poderes do
Legislativo e da Iniciativa Popular para tratar do tema em discussão, a
assessoria jurídica se restringiu a apresentar como alternativa, em seu Parecer,
o envio, pela Câmara de Vereadores, ao Poder Executivo, do material entregue pela
Campanha a fim de que, quem sabe, pudéssemos contar com a “boa vontade” da
Prefeitura em querer modificar a Lei por ela mesma criada. E assim se
procedeu...
De lá para cá, praticamos a filosofia do esperar procurando: enquanto aguardávamos
o fim do processo eleitoral e uma sinalização do Poder Executivo acerca da
COSIP, estudamos mais sobre o assunto, principalmente acerca do segundo argumento
apresentado pela assessoria jurídica. E aqui poderíamos indicar diversos casos
e situações que demonstram que o motivo apresentado no Parecer como o principal
empecilho para a tramitação do Projeto de Lei de Iniciativa Popular apresentado
pela Campanha está por demais defasado e contraria uma questão já considerada resolvida
pela doutrina jurídica. No entanto, considerando que as citações abaixo são bastante
esclarecedoras, nos limitamos a apresentá-las como resposta ao equivocado
argumento que não apenas impediu a votação do referido projeto como também limitou
toda e qualquer iniciativa por parte dos vereadores.
A iniciativa legislativa do Poder
Executivo pode ser privativa ou não. A privativa deve ser – e só pode ser –
estabelecida explicitamente pelo texto constitucional, não se admitindo aqui
nenhuma forma de exegese ampliativa. No processo legislativo federal, a
iniciativa outorgada com exclusividade ao Chefe do Poder Executivo está fixada
no § 1o do artigo 61. Basta ler atentamente os incisos e as
alíneas desse parágrafo para ver que a única matéria tributária privativa do
Presidente da República na iniciativa das leis é a dos territórios. [...] Nada
disse de iniciativa privativa em matéria tributária, a não ser na alínea “b” e
somente para os Territórios. Como hoje não existem Territórios no Brasil,
conclui-se que, enquanto durar essa inexistência, o Presidente da República não
terá iniciativa privativa de nenhuma lei tributária. Se vier a ser criado algum
Território, apenas em relação a ele será privativa do Presidente da República a
iniciativa de leis em matéria tributária. Afora essa exceção, referida
exclusivamente aos Territórios, a iniciativa das leis tributárias não pode ser
negada aos parlamentares eleitos pelo povo.
Digo mais: também não pode ser
negada aos próprios cidadãos, diretamente, que a podem exercer por iniciativa
popular, nos termos do caput e do § 2o do artigo 61 da
Constituição Federal. [...]
O acesso dos parlamentares e do
povo à iniciativa das leis tributárias é confirmado na doutrina. Por exemplo,
lucidamente, Roque Antonio Carrazza afirma que, “em matéria tributária”, com
“exceção feita à iniciativa das leis tributárias dos Territórios”, a iniciativa
legislativa “é ampla, cabendo, pois, a qualquer membro do Legislativo,
ao Chefe do Executivo, aos cidadãos, etc.” (Sérgio Resende de Barros em artigo intitulado A
iniciativa das leis tributárias).
E para ficarmos em poucos exemplos,
destacamos interpretação semelhante apresentada no artigo A
iniciativa da Lei Tributária, do advogado André Leandro Barbi de Souza:
A iniciativa de projeto de lei que trata sobre
tributos não é reservada ao chefe do poder executivo. O art. 61, § 1º, “b”, da
Constituição Federal, ao referir que compete ao presidente da república iniciar
matérias que se relacionam com tributos, refere-se aos territórios. Portanto,
nesta parte, o dispositivo constitucional atribui competência legislativa de
forma específica. [...]
Ele continua:
A reserva de iniciativa assegurada ao chefe
do Poder Executivo, com exclusividade, para propor projeto de lei envolvendo
matéria tributária, que prevaleceu ao longo da Constituição de 1969, não mais
se aplica. Com a Constituição de 1988, os membros do Poder Legislativo passaram
a ter legitimidade para iniciar o processo de formação de leis em matéria
tributária.
Com isso, fica claro que o Projeto de Lei de
Iniciativa Popular apresentado pela Campanha COSIP Não! Já pagamos tributos
demais! com a adesão de mais de 8% do eleitorado municipal foi
desrespeitosamente tratado e maldosamente interpretado tanto pelo Poder
Legislativo quanto pelo Poder Executivo.
No primeiro caso, a assessoria jurídica que
deveria orientar adequadamente os vereadores em suas decisões “errou”
imperdoavelmente ao apresentar como principal argumento para a não votação do
projeto uma ilegalidade inexistente. Concordamos parcialmente com o primeiro
argumento apresentado pelo Parecer e plenamente com o terceiro, mas entendemos
que ambos apenas exigiriam correções no projeto, e não, como se procedeu, a
total anulação da Campanha e dos anseios populares nela expressos.
Já acerca do Poder Executivo, quero me
solidarizar com os ruipalmeirenses que participaram da Campanha e registrar
total discordância e indignação com o Projeto de Lei 012/2012 de autoria da
Prefeitura e aprovado pela Câmara de Vereadores no dia 14 de dezembro último.
Ele não atende o que propomos com o Projeto de Lei de Iniciativa Popular nº
01/2012 porque não mexe nos valores absurdos que são cobrados atualmente. A
única alteração que tal projeto faz é isentar do pagamento da COSIP as famílias
que consomem até 50 kw/mês, o que, no nosso
entender, não atende uma parcela significativa da população, como o mesmo faz
questão de destacar.
Nossa luta é pelo fim da COSIP ou, no mínimo,
por uma tarifa justa para todas as famílias, inclusive, aquelas cadastradas
como residencial baixa renda – a grande maioria da população. Para se ter uma
ideia da irrelevância do “novo” projeto, se essas famílias consumirem acima de
50 kw/mês, o que geralmente acontece, a COSIP em sua conta de luz corresponderá
a, no mínimo, 33%, podendo chegar, no caso de consumirem 100 kw/mês a pagar 66%
de COSIP. Na mesma faixa de consumo, famílias cadastradas como residencial
monofásica pagariam entre 23% e 48%. E esses valores não foram alterados,
segundo o referido projeto, porque necessitavam
de um estudo mais aprofundado e não havia tempo para isso, ficando, portanto,
para serem tradados posteriormente.
Ora, do início da Campanha até a votação do
“novo” projeto passaram-se 10 meses e a Prefeitura vem justificar que não mexeu
nas absurdas alíquotas cobradas porque não houve
tempo para realizar um estudo acerca das mesmas? Para nós que participamos da Campanha,
isso apenas materializa a naturalizada ideia infame de que governar é usufruir
do profano direito de fazer do serviço público e dos destinos da coletividade
aquilo que “der na cabeça”, não importado se isso contraria ou não os anseios e
necessidades daqueles/as que servem apenas para pagar a conta.
No entanto, penso que não devamos, enquanto
ruipalmeirenses, independente do lado que estivemos nas últimas eleições,
ignorar tal fato e deixar por isso mesmo. Que este episódio nos ensine o que já
reza o Direito ao afirmar que “nem tudo que é legal é justo e nem tudo que é
justo é legal”. Se o caminho percorrido não nos levou aos resultados desejados,
é hora de repensarmos o processo e refazê-lo por outras vias... É preciso
demonstrar aos nossos governantes que não estamos satisfeitos com essa forma
desrespeitosa e autoritária de governar. E isso envolve diferentes iniciativas,
entre as quais cabe destacar: 1) Câmara
de Vereadores: é urgente, possível, justo e necessário rever o Parecer da
assessoria jurídica acerca do Projeto de Lei de Iniciativa Popular apresentado
pela Campanha COSIP Não! Já pagamos tributos demais!, o qual limitou
equivocadamente não apenas os poderes dos cidadãos, como também, do
Legislativo; 2) Povo ruipalmeirense: é
necessário continuar a luta para apagar a ideia da COSIP, pois sua chama
continua a consumir nossos lares! Vamos retomar e acompanhar a matéria na
Câmara, debater o assunto nas escolas, igrejas, famílias, esquinas, bares, etc.
Vamos fazer passeatas, manifestações, protestos... até que sejamos ouvidos e devidamente
respeitados. Quem estiver disposto a lutar, conte comigo!
[1] O
correspondente a 5% do eleitorado de Senador Rui Palmeira, sendo essa uma
exigência legal para a apresentação de Projetos de Lei de Iniciativa Popular no
âmbito municipal.
[2] Apesar de existir um debate jurídico
acerca de uma possível diferenciação conceitual entre os termos privativo,
exclusivo e reservado, optamos aqui pela posição do renomado professor de
Direito Constitucional, Teoria Geral do Estado e Ciência Política, Sérgio Resende de
Barros, o qual destaca que, no que tange à iniciativa das leis, tais qualitativos são indiferentes.
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