“NEM TUDO QUE É LEGAL É JUSTO E NEM TUDO QUE É JUSTO É LEGAL.”



 Valci Melo


No Brasil, sobretudo, no âmbito das relações Estado - sociedade, é muito frequente a materialização do pensamento insano que prega: “Aos amigos, tudo. Aos inimigos, a lei”.

No município de Senador Rui Palmeira, situado no semiárido alagoano, o distanciamento entre o que a lei garante aos cidadãos e o que efetivamente se aplica pelos “donos do poder” é absurdo e visível a olho nu. No entanto, quando a mesma lei os beneficia em algo, é abundantemente posta e prática para justificar os abusos e as condutas perversas dos ditos representantes da população na gestão dos bens e serviços “públicos”.

Dois exemplos se deram em sessões da Câmara de Vereadores, desde meados do ano passado. Ou seja, justamente no ambiente em que a lei é descumprida sistematicamente para beneficiar vereadores que faltam reuniões e reuniões consecutivamente sem darem qualquer justificativa; votam Projetos de Lei como o da criação da COSIP sem terem o adequado conhecimento do conteúdo que estão aprovando; abusam do vocabulário vulgar ao fazerem uso da Tribuna, inclusive, dirigindo-se a vereador membro da oposição com desrespeito de ordem pessoal, a Presidência da Câmara resolveu usar o Regimento Interno (lei própria da Casa) para inibir a participação dos cidadãos que costumam frequentar o recinto. 

O primeiro episódio se deu em agosto do ano passado (2012), quando o Parecer Jurídico sobre o Projeto de Iniciativa Popular apresentado pela Campanha COSIP não! Já pagamos tributos demais! entrou de surpresa na pauta do dia e eu, na condição de coordenador do movimento, foi impedido de manifestar minha opinião sobre o documento por não ter sido inscrito como orador antes de começar a reunião. 

Já o segundo, se deu com o companheiro Damião Melo, também membro da Campanha COSIP Não! Já pagamos tributos demais! que foi expulso pelo presidente do recinto da Câmara na última sessão (18 de abril) por fazer um complemento na fala do vereador Rilk Lano na ocasião em que este retomava a discussão acerca do referido tema.

Além de mandar o camarada Damião Melo se retirar da Câmara, acusando-o de perturbador simplesmente por este ter lembrado que a Emenda nº 12/12, que isenta da COSIP quem consome até 50kW/mês, apesar de ter sido aprovada e sancionada, ainda não entrou em vigor, o presidente chamou a Polícia Militar para recolher uma das pessoas mais pacíficas e corretas deste município. Felizmente, não foi necessário o uso da força policial para que o camarada Damião Melo deixasse o recinto, como previu erroneamente o presidente do Legislativo Municipal.

Tais fatos seriam até compreensíveis se realmente a lei fosse usada com o mesmo rigor e intolerância para todos, indistintamente. No entanto, não podemos aceitar que se usem dois pesos e duas medidas de forma tão descarada, pois o mesmo Regimento Interno que legitima o meu silenciamento no recinto da Câmara e a expulsão do camarada Damião Melo, também exige: 

a)     É dever de cada vereador “comparecer às sessões pontualmente, salvo motivo de força maior devidamente comprovado, e participar das votações, salvo quando se encontre impedido” (art. 89, inciso V); 

b)     Sempre que o vereador cometer, dentro do recinto da Câmara, excesso que deva ser reprimido, o Presidente conhecerá do fato e tomará as providências seguintes, conforme a gravidade” (art. 90), destacando, entre elas, além da “advertência em Plenário”, “a cassação da palavra” e “a determinação para retirar-se do Plenário”; 

c)     “O Presidente da Câmara promoverá ampla divulgação da pauta da ordem do dia das sessões do Legislativo, que deverá ser publicada com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas do início das sessões” (art. 212). 

Pelo que sabemos, nenhuma dessas importantes medidas são realmente cumpridas. Pelo contrário, a cada sessão presenciamos mais e mais situações de desrespeito ao Regimento Interno que passam despercebidas pela Presidência – a não ser que se trate de qualquer manifestação feita por um cidadão, por mais importante ou respeitosa que seja.

Diante do exposto, além de registrarmos nossa discordância, repúdio e indignação para com as medidas tomadas pela Presidência da Câmara de Vereadores, gostaríamos de deixar alguns questionamentos:

1)      Que meios, espaços, instrumentos a Câmara de Vereadores tem utilizado para ouvir a opinião dos cidadãos sobre os temas e projetos apreciados?

2)      Quantas audiências públicas foram realizadas pela Câmara de Vereadores antes de apreciar temas de grande relevância para o município, como é o caso da COSIP?

3)      Que tipo de incentivo a Câmara dá a população para acompanhar os trabalhos da Casa se além de restringir sua participação a meros espectadores, promove debates paupérrimos, pautados na defesa incondicional das ações do Poder Executivo?

4)      Qual vereador/a sabe da pauta a ser tratada nas sessões antes que essas se iniciem?

São por estas e outras questões que, diferentemente do que alguns pensam - e até torcem -, ganhamos mais forças para continuar lutando, pois além de compreendermos que “nem tudo que é legal é justo e nem tudo que é justo é legal”, temos consciência de que como já salientavam Marx e Engels há 164 anos quando da publicação do Manifesto do Partido Comunista: “o poder político propriamente dito é o poder organizado de uma classe para a opressão de outra” (MARX & ENGELS, 2008, p. 67). Ou seja, sendo a política a forma de exercício do poder público característica da sociedade de classes, é ilusão esperar construir única e exclusivamente por meio dela, em especial no âmbito estatal, a “sociedade onde todos caibam” – condição basilar para que sejam realmente resolvidos os problemas coletivos.

No entanto, não é o fato de ser a política uma atividade essencialmente comprometida com a reprodução dos interesses da classe dominante que não seja possível também utilizá-la, mesmo que de forma limitada, em favor dos interesses da classe dominada. Até porque, se é verdade que “não há nada ruim que não possa ficar pior”, o abandono da participação no poder público simplesmente por que ele ainda tem um caráter político distancia-nos mais ainda da construção do seu caráter social. 

2 comentários:

Aline Ismar disse...

Infelizmente estamos vivendo um período crítico a qual, eu particularmente, mesmo sendo professora do município, ciente de minha responsabilidade e importância para a sociedade. Fico na dúvida, sobre o que fazer o que falar, sobre a comunidade do nosso município, visto que, percebo que a cada dia que passa, ao invés, de acontecer um progresso, percebo um retrocesso, um contentamento com o ruim. Há algum tempo também,passei por uma situação parecida com esta de Damião, quando na época o Presidente da Câmara, era o atual vice-prefeito, e o atual Presidente, era Presidente da Comissão da Educação, e eu apenas, pedi a palavra, e solicitei aos mesmos que antes de aprovarem algo relacionado à Educação, convocassem a categoria, visto que, a mesma precisaria estar ciente sobre as reformulações que acontecessem no PCCV. Acreditando eu que estava fazendo o certo, para a categoria e perante as autoridades daquela casa.No entanto, quase fui expulsa.

Valci Melo disse...

Prezada Aline Ismar,

Inicialmente, muito obrigado pelo seu comentário!

Quanto à situação relatada por ti, infelizmente, não se trata de algo atípico neste e noutros municípios em que os representantes políticos entendem o mandato como "carta branca" para fazerem da coisa pública o que "der na cabeça".

No entanto, penso que isso não deve nos desanimar. Pelo contrário, se entendemos que a coisa pública não pertence apenas a eles, precisamos denunciar essas posturas abusivas e buscarmos meios para ajudar a construir uma cultura política de efetiva participação nos destinos da coletividade.

A sala de aula, apesar dos inúmeros obstáculos, é um desses espaços de formação de uma nova forma de pensar e fazer política. A internet, a família, os amigos, enfim, diversos outros meios e espaços também podem servir para lançarmos a semente da inconformação com o patrimonialismo, a politicagem, a corrupção...

A tarefa é árdua e demorada, mas como dizia Bertolt Brecht: "Nada deve parecer natural. Nada deve parecer impossível de mudar."

Vamos à luta, pois "Quem não se movimenta não sabe as amarras que o prendem" (Rosa Luxemburgo).